JOÃO ALVES
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ALERTA: esta review pode estragar algumas das surpresas do filme. Proceder com cautela.
Numa era em que se fabricam, em massa, as biopics sobre personalidades da cultura pop do século XX — já tendo até atingido o séc. XXI — Quentin Dupieux faz, de certa forma, a sua “versão” de um filme deste género sobre uma personalidade muito difícil de conseguir descrever de forma fiel e precisa: Salvador Dalí. À semelhança do objeto e do seu criador, Daaaaaalí! é um filme que desafia as nossas conceções narrativas do que poderá ser cinema, levando uma premissa absurda e surreal ao seu extremo.
O filme tem como ponto central a tentativa de uma suposta jornalista, Judith, de entrevistar uns dos maiores artistas plásticos vivos nos anos 80 (spoiler alert: a final de Roland Garros na televisão do quarto de hotel coloca-nos em 1983). O que se sucede é algo caraterístico de Salvador Dalí: depois de um interminável corredor, chega ao local da entrevista e recusa-se a ser entrevistado porque a sua essência nunca poderia ser captada ou deixada às mãos de uma “suposta jornalista” para retratar. Apenas uma câmara de filmar — “a maior câmara do mundo” — terá a capacidade de encapsular o génio que é Dalí!
A partir daqui, fica estabelecido que não estamos preparados para a sequência de eventos. Desde diferentes Dalís, de diferentes idades, mas no mesmo tempo cronológico, cães que chovem, sequências de sonho sobre um jantar interminável com o jardineiro e um padre, tudo neste filme brinca e aproveita o caráter excêntrico e extravagante, reconhecido a Dalí, para acrescentar camadas surreais e absurdas que funcionam como homenagem ao artista plástico e a um dos seus contemporâneos, Luis Buñuel.
A banda-sonora de Thomas Bangaltar (metade dos Daft Punk) é outro ponto fortíssimo do filme de Dupieux, ilustrando com mestria a estrutura do filme: é feito em loop sem ser excessivamente repetitivo, as camadas de diferentes sons e instrumentos tanto se sobrepõem como tem direito “à sua vez”, tendo um efeito quase hipnótico.
Em suma, para quem for conhecedor do universo que Quentin Dupieux criou e tem alimentado nos últimos 15 anos, tem em Daaaaaalí! a confirmação de que temos perante nós uns dos realizadores mais capazes e eficazes no universo surreal do cinema de autor; para quem não conhecer a obra de Dupieux, prepare-se para uma viagem a um filme onde tudo é possível e o surreal e absurdo não só são bem vindos como fazem sentido!
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MIGUEL CHORÃO
“Para quem se estreou no universo de Quentin Dupieux com o filme “Rubber” (2010), “Daaaaaalí” (2023) é uma viragem na mesma direção.
“Daaaaaalí” é uma odisseia surreal que acompanha as várias tentativas de Judith, uma jornalista francesa, de escrever um artigo sobre Salvador Dalí. Somos levados numa jornada que, a meu ver, traduz com o sucesso possível, a psique de Dalí e que nos convida a aceitar a complexidade e descompromisso com a lógica da sua arte. A banda sonora de Thomas Bangalter dá o toque final num filme que certamente será uma experiência memorável.”