DAAAAAALÍ!

UM FILME DE QUENTIN DUPIEUX





LEONEL MENAIA

Em “Rubber”, Dupieux presta homenagem ao cinema “sem razão”, o elemento de estilo mais importante para ele, e desde então tem seguido essa regra rigorosamente. Os seus filmes começam sempre com uma premissa absurda, seja um pneu assassino ou um homem obcecado com o seu casaco de camurça, que é desenvolvida ao longo do filme, como uma espécie de “e se isto acontecesse?”.

Depois do maravilhoso “Yannick”, um filme meta sobre um homem que interrompe uma peça de teatro porque não está a gostar, Dupieux convida-nos a entrar na mente do enigmático e megalómano Salvador Dali com “Daaaaaali!”, um filme que relata a tentativa de uma jornalista francesa realizar um documentário com o pintor surrealista.

Além de utilizar vários mecanismos cinematográficos para evocar a essência de Dali, manipulando a percepção de tempo, utilizando vários atores para o interpretar e explorando sonhos dentro de sonhos, o filme também reimagina algumas das suas pinturas e especula sobre o processo criativo por trás delas. Infelizmente, para além de uma experiência sensorial envolvente e alguns detalhes técnicos interessantes, não há muito para retirar do filme, excepto o desejo de explorar a obra de Dali e Buñuel.

Mais do que um filme sobre o pintor surrealista, “Daaaaaali!” evoca as sensações que a sua obra emite: a distorção do tempo, o incompreensível inconsciente e a megalomania do pintor. É uma carta de amor ao surrealismo e também a Luis Buñuel, uma clara inspiração na obra de Dupieux. No entanto, esperava mais do que apenas um conceito bem executado.



JOÃO ALVES

“ ALERTA: esta review pode estragar algumas das surpresas do filme. Proceder com cautela.

Numa era em que se fabricam, em massa, as biopics sobre personalidades da cultura pop do século XX — já tendo até atingido o séc. XXI — Quentin Dupieux faz, de certa forma, a sua “versão” de um filme deste género sobre uma personalidade muito difícil de conseguir descrever de forma fiel e precisa: Salvador Dalí. À semelhança do objeto e do seu criador, Daaaaaalí! é um filme que desafia as nossas conceções narrativas do que poderá ser cinema, levando uma premissa absurda e surreal ao seu extremo.

O filme tem como ponto central a tentativa de uma suposta jornalista, Judith, de entrevistar uns dos maiores artistas plásticos vivos nos anos 80 (spoiler alert: a final de Roland Garros na televisão do quarto de hotel coloca-nos em 1983). O que se sucede é algo caraterístico de Salvador Dalí: depois de um interminável corredor, chega ao local da entrevista e recusa-se a ser entrevistado porque a sua essência nunca poderia ser captada ou deixada às mãos de uma “suposta jornalista” para retratar. Apenas uma câmara de filmar — “a maior câmara do mundo” — terá a capacidade de encapsular o génio que é Dalí!

A partir daqui, fica estabelecido que não estamos preparados para a sequência de eventos. Desde diferentes Dalís, de diferentes idades, mas no mesmo tempo cronológico, cães que chovem, sequências de sonho sobre um jantar interminável com o jardineiro e um padre, tudo neste filme brinca e aproveita o caráter excêntrico e extravagante, reconhecido a Dalí, para acrescentar camadas surreais e absurdas que funcionam como homenagem ao artista plástico e a um dos seus contemporâneos, Luis Buñuel.

A banda-sonora de Thomas Bangaltar (metade dos Daft Punk) é outro ponto fortíssimo do filme de Dupieux, ilustrando com mestria a estrutura do filme: é feito em loop sem ser excessivamente repetitivo, as camadas de diferentes sons e instrumentos tanto se sobrepõem como tem direito “à sua vez”, tendo um efeito quase hipnótico.

Em suma, para quem for conhecedor do universo que Quentin Dupieux criou e tem alimentado nos últimos 15 anos, tem em Daaaaaalí! a confirmação de que temos perante nós uns dos realizadores mais capazes e eficazes no universo surreal do cinema de autor; para quem não conhecer a obra de Dupieux, prepare-se para uma viagem a um filme onde tudo é possível e o surreal e absurdo não só são bem vindos como fazem sentido! “



MIGUEL CHORÃO

“Para quem se estreou no universo de Quentin Dupieux com o filme “Rubber” (2010), “Daaaaaalí” (2023) é uma viragem na mesma direção.

“Daaaaaalí” é uma odisseia surreal que acompanha as várias tentativas de Judith, uma jornalista francesa, de escrever um artigo sobre Salvador Dalí. Somos levados numa jornada que, a meu ver, traduz com o sucesso possível, a psique de Dalí e que nos convida a aceitar a complexidade e descompromisso com a lógica da sua arte. A banda sonora de Thomas Bangalter dá o toque final num filme que certamente será uma experiência memorável.”







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