HOW TO HAVE SEX - A PRIMEIRA VEZ

UM FILME DE MOLLY MANNING WALKER





MATILDE DIAS

Há muitas formas de filmar as aventuras não supervisionadas da juventude, desde a glamorização de Spring Breakers (2012) à produção da Lifetime Pregnancy Pact (2010), responsável pelos pesadelos de vários pais, nos Estados Unidos da América. Da realizadora britânica Molly Manning Walker, chega ao Cinema Fernando Lopes a longa-metragem How to Have Sex (2023), um retrato dos típicos rituais de passagem adolescentes, em ambiente de férias, com uma nova camada de sensibilidade.

Entre festas em tons néon, emoções à flor da pele e personagens que fariam qualquer um apressar o passo na rua, surge uma narrativa demasiado familiar sobre olhares femininos em construção. Os contos de fadas, por norma, associados às primeiras vezes, chegam ao fim. Quando ainda não se tem as palavras certas, quando as áreas cinzentas suplantam as certezas, quando a amizade significa abrigo, mas também hostilidade, a máscara de “não querer saber” acaba por cair, revelando a dor que apenas será processada com clareza anos mais tarde.

As influências de música eletrónica e recession pop, acompanhadas pela cinematografia de contraste entre noites sem fim e manhãs para esquecer, são os únicos vestígios da promessa “melhores férias de sempre”. Para quem ainda duvidasse da destreza com que o cinema imita a vida, aqui fica a prova.



CAROLINA REBELO

Molly Manning Walker faz uma poderosa estreia com How to have Sex, retrato cru e realista da cultura adolescente, pressão de pares e consentimento sexual.
Tara e as amigas estão de férias em Malia, lugar propício e polido para a perfeita perda da sua virgindade. Com este objetivo em mente passam os dias a disputar o tempo que perdem a fazer sexo e o número de pessoas com quem o fazem. Para Tara o sexo apresenta-se como uma antecipada curiosidade, enfatizada constantemente pelas amigas e fruto da sua ansiedade que lentamente começa a invadir o seu estado de espirito e a manifestar-se visivelmente afetando também as pessoas à sua volta.

O filme passa de caótico a angustiante de uma forma subtil e calculada, espelho do que se passa na mente de Tara depois de ser abusada sexualmente e de sentir o peso do incidente a debruçar-se sobre ela.

Há muitas nuances nos relacionamentos no filme que parecem completamente autênticas. Desconfortavelmente realista, a inocência de Tara e o seu desespero contido fazem do assunto uma situação desconfortável e honesta. É uma visualização difícil, mas necessária. A liberdade sexual feminina é abordada de forma crua e com os rodeios necessários para ser apresentada de uma forma contemporânea. A música e os elementos caracterizadores das personagens contribuem para uma semelhança da realidade desconcertante por se aproximarem quase demasiado do que não vemos frequentemente no cinema, uma vergonha saudável faz com que os temas abordados se tornem ainda mais relevantes e incisivos para quem os vê.

How to have sex  é um filme importante e revela que nunca é demais falar sobre o abuso sexual feminino e sobre a sua implicação na vida das mulheres.”



JASMIM BETTENCOURT

Filmes sobre jovens em aventuras veraneantes que sofrem uma viragem inesperada não são algo novo. How to Have Sex enquadra-se neste género que já conhecemos, no entanto destaca-se na sensibilidade da estreante Molly Manning Walker, que trata os temas presentes neste filme e as questões que este levanta de uma forma crua mas subtil. 

As imagens, capturadas em planos aproximados das personagens ou planos afastados que se mantém como um presságio, vibram com uma tensão que absorve o espectador no ponto de vista de Tara, interpretada por Mia McKenna-Bruce. Este ponto de vista explorado por Manning Walker faz com que sintamos a violência e pressão que Tara enfrenta de uma forma intensa.

O que se destaca neste retrato, no entanto, é a sua subtileza. A violência sexual não é tratada de forma exploradora ou de modo a chocar o espectador, mas de modo a refletir sobre esta, as formas mais subtis em que esta pode existir, o trauma gerado por esta, e a forma como tabus e dinâmicas sociais relacionadas com sexualidade se tornam em obstáculos para lidar com essa violência e as suas consequências. How to Have Sex é um filme intenso, construído com destreza por Manning Walker para fazer o espectador refletir sobre temas tão complexos sem cair na exploração chocante dos mesmos.



LEONEL MENAIA

A primeira longa-metragem da britânica Molly Manning Walker, vencedora do prémio Un Certain Regard em Cannes, leva-nos numa viagem íntima à adolescência, onde a descoberta da sexualidade é moldada pela pressão social, especialmente pela influência de uma sociedade patriarcal. O filme acompanha as férias de três amigas em Malia, na ilha grega de Creta, e tudo o que isso implica: festas, álcool e sexo. Tara, a única virgem das três, pretende perder a virgindade nesta viagem e o filme, tal como o título sugere, explora esta primeira experiência do ponto de vista de uma mulher, abordando as suas consequências e o conceito de consentimento.

Inicialmente, o filme segue uma abordagem relativamente convencional dentro do género, através de uma montagem frenética, cores vibrantes e mistura de som festiva, ao estilo de videoclip - sendo impossível não lembrar “Spring Breakers” de Harmony Korine.

A tensão aumenta com a introdução de outro grupo de amigos, sendo imediatamente notável na cena de apresentação de Badger, que é retratado como uma potencial ameaça, tanto pela sua aparência - com uma tatuagem de um beijo no pescoço - como pela sua abordagem intrusiva a Tara. Walker prende deste modo o espectador ao ecrã, que anseia pelo pior. Contudo, é precisamente na revelação que Walker subverte os típicos filmes do género, procurando retratar o que não é dito: o desconforto, a vergonha e a cumplicidade de uma sociedade que evita falar sobre consentimento e abuso sexual.

É nesta subtileza que recai o realismo e autenticidade do filme: a câmera fica mais próxima, o som mais abafado e a fisicalidade de Mia McKenna-Bruce mais aparente, principalmente nas suas expressões de desconforto. Numa das cenas cruciais do filme, Badger revela a Tara como Paddy, o agressor sexual, é um dos seus amigos de infância e que as suas mães são melhores amigas. É precisamente esta ausência de culpabilidade de uma sociedade que olha para estes acontecimentos como mais um dia que Walker pretende alertar. Queremos acreditar que a cena final, em que Em conforta Tara, é uma réstia de esperança, sugerindo a necessidade de apoio mútuo entre mulheres para alcançar alguma mudança.




INÊS MOREIRA

You don't have to be so strong
Don't go through it all alone
You don't have to be so strong
Don't go through it all alone
“Strong”, de Romy Madley Croft e Fred Again

“How To Have Sex, vencedora do prémio Un Certain Regard em Cannes, é a primeira longa-metragem da realizadora britânica Molly Manning Walker. Esta é uma estreia que nos chega munida de um sentimento completamente agridoce. Numa primeira instância, sabe bem saber que este tema foi olhado e trabalhado por uma realizadora mulher, visto que é um tema tão pessoal e marcante na vida de todas as jovens mulheres e pelas quais todas passam, ainda que com contornos diferentes. Contudo, este sentimento tranquilizante desvanece rapidamente assim que começamos a navegar na angústia e agonia da temática.

Tara, Skye e Em são três melhores amigas que embarcam naquelas que seriam supostamente as melhores férias das suas vidas. A história é sobre amizade, sobre sexualidade, sobre ser mulher, sobre crescer e estar em transformação, sobre sofrer e provocar sofrimento. Chega a ser doloroso a forma como é tão fácil e imediato identificarmo-nos com estas personagens, particularmente com as emoções que vamos vendo no rosto de Tara, a personagem principal, representada pela, também, estreante Mia McKenna Bruce. Emoções que quase nunca chegam a ser colocadas por palavras, tudo parece ser tabu.

How To Have Sex transpira tensão do início ao fim. A fotografia, que lembra a câmara vigilante de um reality show, dá-nos a sensação que estamos a “espiar” estas adolescentes (sendo também nós agressores, de alguma forma). Para além disso, o trabalho meticuloso do som acrescenta uma camada de nervos ao já grande nervosismo sentido.

À semelhança de Tara, também nós queremos voltar para casa assim que a tela fica preta.




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