MIGUEL CHORÃO
“
O título, infelizmente, confirma o meu pensamento (às vezes diário) de que o fim do mundo não será um apocalipse bíblico ou uma terceira guerra mundial. O “fim do mundo” pode e é a realidade que muitas pessoas vivem todos os dias.
Ao longo do interminável dia na vida de Angela, vamos acompanhando situações angustiantes que nos são entregues com uma naturalidade mundana e rotineira desconcertante. Há quem tenha (sabiamente) apelidado este filme como a irmã mais velha de “Perfect Days” de Wim Wenders e agora que o tempo já acalmou o meu pensamento caótico e irritado, consigo concordar. Enquanto os dias perfeitos de Wenders nos escondem com calma e tranquilidade um final inquietante, Radu June mostra-nos desde o início que é possível sobreviver numa inquietação constante onde muitos não têm a escolha de mudar.
“
JASMIM BETTENCOURT
“Não Esperes Demasiado do Fim do
Mundo é um retrato da sociedade contemporânea que alegremente caminha a pique
para a sua própria exaustão. Angela, interpretada com todo o fulgor por Ilinca
Manolache, encerra em si o cinismo da condição do trabalhador moderno,
sobre-explorado e sobre-estimulado, cujo único meio de escape é o sh*tposting.
”
LEONEL MENAIA
“
Numa era em que o virtual venceu o real, as imagens criadas a partir da
realidade tornam-se a própria realidade, vivida através de um ecrã. Este novo
paradigma, a disseminação da máquina de filmar, o acesso à internet e as
diversas plataformas de partilha de conteúdo permitem - e de certo modo,
incentivam - a manipulação destas imagens para proveito próprio. Seja através
da criação de personagens, de narrativas que se sobrepõem à realidade ou até do
uso de inteligência artificial para a edição em tempo real, a capacidade de
moldar a percepção visual do mundo é ampliada como nunca antes. Esta premissa
serve como base para a estética de “Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo”.
Acompanhamos a assistente de produção, Angela Raducani, enquanto conduz por
Bucareste e realiza castings para um vídeo promocional de segurança no
trabalho. No seu tempo livre, filma sketches misóginos satíricos à Andrew Tate
para o TikTok. Enquanto que o seu trabalho maçador, que consiste em conduzir o
dia todo de um lado para o outro à procura de pessoas que ficaram
incapacitadas, é filmado a preto e branco - refletindo o desinteressante,
penoso e miserável do capitalismo tardio -, tanto os seus vídeos para o TikTok
como o vídeo promocional são filmados a cores. Para além disso, são
contrapostas também imagens a cores do filme romeno “Angela merge mai departe”
de 1982, um filme sobre o dia a dia de uma taxista, situado num passado sob o
domínio de Nicolae Ceaușescu, fazendo um paralelo com a actualidade onde a
misoginia, xenofobia e corrupção não parecem muito diferentes.
A narrativa culmina na filmagem do vídeo promocional para qual Angela
realizou os castings, um plano único sequencial de 30 minutos onde tudo parece
desmoronar. A empresa tenta manipular a narrativa do acidente de trabalho para
a favorecer, as falas são alteradas tantas vezes que se tornam impossíveis de
memorizar, as condições meteorológicas tornam-se adversas à filmagem e, no meio
disto tudo, Angela continua a filmar os seus TikToks.
Em suma, a realidade de uma assistente de produção sobrecarregada de
trabalho é contraposta com os vídeos misóginos que grava para o TikTok, o vídeo
promocional de segurança no trabalho que está a produzir e filmagens de um
filme romeno de 1982. Radu Jude explora como o espectáculo e a pós-verdade
substituíram a realidade, cuja misoginia, xenofobia e corrupção estão tão
presentes como há 40 anos atrás.
”