O JOVEM XAMÃ

UM FILME DE LKHAGVADULAM PUREV-OCHIR




ESTER DAMÁSIO 

É possível haver um equilíbrio entre espiritualidade e o dia a dia para um adolescente? Todos os coming of ages filmes tentam responder a uma ou outra necessidade que os adolescentes têm de equilíbrio, quer seja entre amigos e família ou entre trabalho e estudos. O Jovem Xamã leva a questão do equilíbrio dos coming of ages para um nível mais profundo, um nível transcendente, ao apresentar o problema do conciliamento entre o xamanismo e a vivência da adolescência. Ze tem 17 anos, um dos melhores alunos da escola, um artista da guitarra de garganta, e por vezes é tomado pelo espírito do seu antepassado em rituais xamânicos. No espaço de 104 minutos do filme, são retratados as primeiras experiências de Ze na sua plena adolescência, como o primeiro amor ou o primeiro luto. Começa a revoltar-se contra professores, começa a sair à noite, começa a apaixonar-se.

A uma primeira impressão, O Jovem Xamã não parece propor um dilema diferente de outro coming of age como o 10 Things I Hate About You ou o Perks of Being a Wallflower. No entanto, O Jovem Xamã difere destes numa maneira chave: o equilíbrio entre duas coisas não é posto em causa, e Ze não é apresentado com uma decisão. Não é obrigado a escolher entre a rapariga e o destino, ou entre os pais e os amigos, Lkhagvadulam, a realizadora, retrata a história deste jovem de uma maneira real e não melodramática . Em vez de abordar o assunto do xamanismo como se fosse algo exótico ou estranho, Lkhagvadulam não perde tempo a explicar ao público todos os detalhes do que faz alguém um xamã, talvez por ser ela mesmo também mongol, e escolhe então deixar apenas que o xamanismo e a espiritualidade sejam tanto parte da vida de Ze como os seus estudos ou o seu romance.

A meu ver, este é o fator distintivo de O Jovem Xamã. O filme traz uma perspetiva refrescante a um género já bastante trabalhado, e é por não tentar ser mais do que é, uma expressão que pode parecer um pouco redundante, que o filme sai a ganhar. Não tenta ser mais do que é, não tentar ser teatral, ter cenas de pais a gritar com filhos por não se comportarem, ter cenas de grandes choros ou discussões. Ze é apenas um adolescente como os outros, e apesar de, por ser um xamã, alguns comentários serem feitos pelos seus colegas de escola, isto é um fator da sua identidade como qualquer outro. Não só é um elemento que faz parte de si, como não é algo que Ze tente negar ou esconder. Novamente, esta escolha de interpretar o xamanismo num adolescente como algo tão conciliável e banal como ter olhos castanhos, a realizadora demonstra como o facto de ser mongol traz uma abordagem única.

Coming of age moderno, O Jovem Xamã traz uma perspetiva refrescante, não só a este género de filmes, como à representação de espiritualidade. Propõe questões sobre o que o indivíduo interpreta como religioso ou sagrado, balançando estas com momentos de amor e amizade. Responde à sua própria questão e conclui: a espiritualidade é a maneira como nos relacionamos entre nós, está à nossa volta em momentos do quotidiano. Uma verdadeira lição sobre a importância de respeitar as nossas próprias raízes, por parte de Lkhagvadulam, e uma viagem emocional e profunda para a audiência.


 

LEONEL MENAIA




Esta narrativa coming of age combina a leveza apaixonante e divertida típica do género com um retrato autêntico de Ulan Bator e das suas tradições ancestrais, apresentando a cidade como um palco onde tradição e modernidade convergem, moldando os dilemas e a jornada de autodescoberta do protagonista.

Para além do peso da adolescência, como fase de construção de identidade e adaptação a mudanças físicas e sociais, Ze tem a responsabilidade adicional de ser o xamã de uma comunidade e prestar serviços espirituais à mesma, ao ouvir os seus problemas e comunicar com espirítos para ajudar a solucioná-los. Aqui instala-se a dicotomia entre tradição, a responsabilidade de Zé para com a sua comunidade, e a modernidade, a sua vida como jovem estudante, as responsabilidades escolares e sociais, mas principalmente a sua paixão por Maralaa, uma jovem que ajuda como xamã e mais tarde conhece e apaixona-se.





MIGUEL CHORÃO

O Jovem Xamã é um ‘coming of age’ leve e interessante. Vemos um retrato de uma realidade que se calhar não nos é tão próxima e para mim isso contribuiu para uma experiência mais interessante do filme. É certo que a parte de ter 17 anos e dos primeiros amores é algo com o qual nos conseguimos relacionar (além de ser algo que no cinema já está mais que visto). No entanto, essa temática com Ulã Bator como pano de fundo e com as responsabilidades de um líder Xamã como conflito fica uma história completamente diferente da que vemos em muitos filmes do género.

Embora sinta que o xamanismo fique um pouco para segundo plano, é nos entregue o suficiente para despertar o interesse (e talvez seja mesmo esse o objectivo da realizadora?).







NUNO GAIO E SILVA


O Jovem Xamã é um filme de dualidades. É um coming-of-age de um jovem a descobrir o seu lugar no mundo. Mas é também uma reflexão sobre uma determinada forma de viver e o seu lugar – um coming-of-age de toda uma tradição. O filme oscila entre a escala individual e a escala da cultura e tradição. É em Ze que as duas se confrontam, numa colisão que é concretizada graças à comunhão entre forma e conteúdo que o filme consegue construir.

A primeira longa-metragem de Lkhagvadulam Purev-Ochir conta a história de Ze, um rapaz de 17 anos que é também o líder espiritual (o dito xamã) da sua pequena comunidade numa aldeia nos arredores duma grande cidade na Mongólia. Os seus horizontes começam a abrir quando conhece a jovem Maralaa, depois de abençoar a sua operação. O Jovem Xamã é um filme de dualidades. É um claro coming-of-age de um jovem a descobrir o seu lugar no mundo. Mas, de certa forma, é também uma reflexão sobre uma determinada forma de viver e o seu lugar, não só na sociedade mongol mas no mundo – um coming-of-age de toda uma tradição. O filme oscila entre estas duas dimensões, entre a escala individual deste adolescente e a escala da cultura e da tradição. É em Ze que as duas se confrontam, numa colisão que é concretizada graças à comunhão entre forma e conteúdo que o filme consegue construir. As ondulações fazem-se sentir por todo o filme, repleto de choques e confrontos – o religioso/místico e o secular, o rural e o urbano, a tradição e o moderno, a permanência e a mudança. Os planos abertos, aos quais a realizadora dá o tempo certo para os podermos contemplar, quando se trata da paisagem natural e cheia de neve da Mongólia ou dos arranha-céus que dominam a cidade, dão lugar às luzes intensas da discoteca a que Ze e Maralaa vão e que serve como o mais óbvio palco do conflito interior do primeiro num momento único de expressionismo. O ritmo lento do filme permite-nos contemplar a paisagem física e a paisagem humana, já que os rostos das personagens, filmados de forma simples, mas eficaz, são verdadeiras janelas para os seus conflitos. É necessário elogiar o elenco deste filme, em particular, Tergel Bold-Erdene (Ze), que também através da voz (nos momentos em que tem a cara tapada, quando está a cumprir os seus deveres de xamã), consegue expor as intensas dúvidas que o afligem. O final do filme reúne os vários conflitos e dúvidas, não os resolvendo, mas deixando-os ao mundo que construiu e cuja escala ultrapassa a do protagonista, como já referido. Nesse sentido, o filme constitui um importantíssimo olhar sobre uma cultura que nos é tão distante e pouco representada, e o papel da distribuição (cinematográfica), que nos permite ver o filme, é de salientar.


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